sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

TEMPESTADE PERFEITA EM 2014 : CONTRA O PT

Postado por Berto Filho

Em novembro, o sociólogo Demétrio Magnoli, que escreve na Folha, também previu uma tempestade perfeita em 2014 mas contra o PT. O pior cenário para embarreirar a mão de Dilma na taça do planalto é a piora da economia, que já anda meio combaleante com uma inflação persistente acima de 6% ao ano. A inflação nossa de cada um medida na gôndola do supermercado é bem maior que isso, comparando os preços que pagamos pelos mesmos produtos e mesmas marcas em janeiro e agora em dezembro. É aí, no estômago, na área de serviço e no bolso, que mora o perigo eleitoral para quem está por cima. A remarcação é silenciosa, da noite para o dia, imune às estatísticas benevolentes. O povo chia mas compra. Até o dinheiro acabar.
Essas tentativas de adivinhar o futuro são válidas, no mínimo, para estimular o contraditório. Como se alguém discordasse e dissesse que não vai passar de tempestade em copo d'água. O PT, no fundo, acha que vai ganhar as eleições para presidente (reeleger Dilma). Pelo andar da carruagem das pesquisas, dir-se-ia que ganha no 1o turno se a eleição fosse hoje. Mas se fosse mesmo hoje, será que os demais candidatos, declarados ou não, estariam na faixa do rebaixamento, como estão hoje ? Agora, se houver 2o turno e a sociedade de baixo acordar da hipnose coletiva, pode ter alternância de poder.


Texto de Demétrio :

Fim de ciclo
"Não existe essa coisa de sociedade" --a frase célebre, de Margaret Thatcher, era a exposição da crença ultraliberal no individualismo. Situado no polo oposto aparente do thatcherismo, o lulismo compartilha a descrença nessa "coisa de sociedade": no lugar da coleção de indivíduos atomizados da ex-premiê britânica, nosso presidente honorífico enxerga uma coleção de corporações reivindicantes. É essa leitura da política que explica a reação indignada do Planalto às críticas sobre a deterioração da situação fiscal do país. Na visão do governo, os "empresários" --os beneficiários da concessão de desonerações tributárias-- comportam-se como traidores quando atiram pedras nas autoridades que protegeram seus lucros. Trata-se de uma forma de auto-engano: o recurso habitual para conservar a ilusão num encanto que já desapareceu.

A inteligência política de Lula, cantada em prosa e verso, é uma qualidade real, mas circunscrita às conjunturas favoráveis. Formado no sindicalismo, o presidente honorífico montou seu sistema de poder como uma mesa ampliada de negociação sindical. Trajando o manto do Bonaparte, o governo opera como Grande Negociador, distribuindo benesses aos "setores organizados" em grupos empresariais, máfias políticas, corporações sindicais e movimentos sociais. A estratégia funcionou, do ponto de vista da reprodução do poder lulista, enquanto o cenário econômico proporcionou recursos para atender às "reivindicações" dos parceiros negociadores. Mas o ciclo da abundância encerrou-se, explodindo a casca frágil do consenso político.

Na "era Lula", o Brasil esculpiu um modelo econômico impulsionado pelos motores do crédito público e privado e da explosão do consumo. A "etapa chinesa" da globalização proporcionou os combustíveis do modelo: investimentos externos fartos, derivados da elevada liquidez internacional, e altas rendas de exportação, oriundas da valorização das commodities. A poção mágica diluiu-se com o colapso das finanças mundiais, mas as reservas no tanque permitiram ao governo servir um simulacro aditivado na hora das eleições de 2010. O tanque, agora, está quase vazio: o governo reduz a bolsa-empresário enquanto pressiona o Congresso para fechar a torneira que irriga as corporações sindicais. Sem acesso à substância estimulante, os negociadores se dispersam --e até os fiéis petroleiros ensaiaram uma "traição".

As "Jornadas de Junho" foram o primeiro sintoma do encerramento do ciclo. Desconcertando o governo, centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas para dizer que a sociedade existe --e exige serviços públicos dignos. O segundo sintoma foi o rearranjo do tabuleiro eleitoral deflagrado pela unificação entre PSB e Rede, uma operação celebrada pelo PSDB. O radar dos analistas ainda não detectou o alcance dos eventos, mas o Planalto entendeu o que se passa. Eduardo Campos e Marina Silva saltaram da condição de alternativas dissidentes à de candidatos oposicionistas, enquanto Aécio Neves admitiu que os tucanos perderam o estatuto de núcleo dirigente da oposição. Na prática, configurou-se uma frente de oposição tricéfala --e os três aspirantes decidiram que o primeiro turno de 2014 será tratado como uma eleição primária para a escolha do desafiante da oposição unida.

O giro da política monetária americana, previsto para os próximos meses, ameaça provocar uma tempestade perfeita no Brasil, desvalorizando o real e pressionando o botão da inflação. Mesmo assim, Dilma Rousseff (ou Lula da Silva) conserva o favoritismo. O fim de ciclo, por si mesmo, não conduz automaticamente à reversão da fortuna eleitoral. Para derrotar o lulismo, a frente oposicionista precisaria dialogar com os cidadãos comuns: os manifestantes de junho e o país que os apoiou. Os três aspirantes teriam que dizer que "essa coisa de sociedade" existe.

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