quarta-feira, 16 de julho de 2014

MESTRE COPINHA, IN MEMORIAM : LEVOU A VIDA NA FLAUTA

Post de Berto Filho

De novo aqui, habemos Gerdal.  Esse precioso estudioso e divulgador da MPB e dos seus cantores, compositores e instrumentistas - ou musicistas, como preferia Vera Brasil -chamado Gerdal José de Paula, de vez em quando dá uma rasante neste blog, e sempre com uma história bacana.

Dessa vez ele homenageia o mestre Copinha, in memoriam, e lá no final nos premia com links de gravações do grande flautista.




Introduzi no texto do Gerdal alguns parágrafos e observações que têm a ver com a presença de meu pai Sivan em São Paulo numa época em que a sua música era muito tocada em rádios, recitais e salões, por pianistas como Carolina Cardoso de Menezes e cantadas por Jorge Fernandes, Gastão Formenti, Albenzio Perrone, Grande Otelo e Norma Geraldy.  Aqui, o território é limitado pela relação entre Copinha e Sivan, que foram amigos pessoais desde os idos de 1915 quando se conheceram em São Paulo, e se encontraram várias vezes nas casas de piano (que vendiam apenas partituras), nas salas de cinemas (no mudo e no falado, depois de 1927), nas rádios Educadora e Bandeirantes, -  nas quais Sivan havia atuado -  e nas tertúlias musicais onde Sivan despontava como maestro, arranjador, compositor, pianista, letrista, primo de Marcelo Tupinambá e autor da célebre "Se Ela Perguntar", que foi assobiada pelos soldados da revolução de 32 e parodiada como uma provocação popular ao governo central de Getúlio Vargas. Nicolino Copia vivenciou tudo isso.  Sivan também tem a ver com outros nomes citados nos meus enxertos, como Gaó, Roberto Splendore e Vito Cluna Neto.
Todos as personaliadades citadas neste post se encontravam com frequência, pertenciam a uma mesma confrafia, trocavam figurinhas e se ajudavam porque estava tudo no início em São Paulo, tudo por aprender, estavam no mesmo metier : radio, recitais, etc - e tinham ideais parecidos. O romantismo e as marchinhas dos folguedos de Momo marcaram aqueles doces anos.

Quando Copinha passou a viver no Rio, Sivan sempre o chamava para os seus jingles e pagava um bom cachê a à vista. Os acertos quase sempre eram feitos sobre a tampa do piano de meia cauda Stanway frequentado por gênios como Jacques Klein e Luizinho Eça. Não havia um escritório. O estúdio era um espaço polivalente. Todas as transações eram mesmo no estúdio.  Estou falando nos anos 50, 60 e 70, o apogeu do Estudio Sivan e da Gravadora Sivan. Altamiro Carrilho, o trombonista Raul de Barros e o vibrafonista José Scarambone também faziam parte da seleção de astros dos jingles do Sivan.

Com a palavra, o amigo Gerdal.

Amando sempre a arte excepcional da nossa gente na música popular, não se pode, é claro, deixar de realçar, na melhor reminiscência instrumental do país, o paulistano, filho de imigrantes italianos, Nicolino Copia, nascido em 3 de março de 1910. Tornado Copinha por apelido recebido do locutor César Ladeira, (a voz da Revolução Constitucionalista de 1932 e amigo pessoal de Sivan) teve em um irmão mais velho, Vicente, o seu primeiro instrutor na flauta e, aos nove anos, assombrava com o seu sopro outro descendente de "oriundi", Americo Jacomino, o Canhoto (*)(autor do clássico "Abismo de Rosas"), com o qual, já naquela idade, participaria de serenatas.

[(*) Berto : Sivan, sob o pseudônimo Satulan, fez a poesia da valsa "Sombras que vivem", melodia de Canhoto.]
 
Após estudar clarineta e sax no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, Copinha deu início a longa vida profissional, animando cenas mudas de filmes exibidos em Sampa e também tocando em transmissões radiofônicas. Um percurso que ganhou novo impulso na antiga Capital Federal, para onde veio juntamente com o também saudoso Odmar Amaral Gurgel, o anagramático maestro Gaó (**)
, sob cuja batuta atuara, ainda em Sampa, na Orquestra Columbia, na primeira metade dos anos 30.


[(**) Berto : Maestro Gaó, pseudônimo de Odmar A. Gurgel. Regente, arranjador, compositor. Sivan fez para ele a dedicatória na partitura da valsa "Amor" (“Love”), valsa americana, primeira música de Sivan a ser gravada em disco, pela cantora Alda Verona (ver "Alda Verona" nesta Galeria).  Gaó e Sivan trabalharam juntos em 1935 na construção da versão do fox "Sinceridade", de Walter G. Samuels, Gaó na harmonização e Sivan na versão da letra de Leonard Whitcup.  Edição da Vitale.

O nome de Gaó está ligado à Orquestra “Colbaz” ,  criada no início da década de 1930, em São Paulo. O nome da orquestra provém do endereço telegráfico da gravadora Columbia no Brasil, com seus estúdios em São Paulo.

Foi criada e dirigida pelo maestro, pianista e arranjador Gaó, e era composta por Jonas Aragão na clarineta, Zé Carioca no violino, Hudson Gaya, o Petit no violão, José Rielli no acordeom, e Atílio Grany na flauta. Este grupo por sinal daria origem a famosa orquestra Columbia, também dirigida pelo maestro Gaó.

Sivan teve várias de suas músicas gravadas em selo Columbia na década de 30, assim como na RCA, Odeon, Continental e até no pequeno selo Arte-Fone.  Data dessa época sua aproximação com Gaó, de quem tornou-se amigo pessoal. Disputavam premiações em concursos de música, entyre eles o da Rádio Gazeta e o jornal A Gazeta, em 1931, mas a amizade prevalecia inclusive durante a competição.. 

A orquestra dirigida por Gaó gravou o primeiro disco em 1930, com as valsas "Nosso choro", de Jonas Aragão, e "Implorando", de A. Giordano. No mesmo ano, a orquestra gravou mais três discos interpretando seis valsas: "Uma noite sonhando", e "Adoração", de V. Giordano, "Martírio de um coração", e "Lágrimas que torturam", de Amadeu D' Annibale, "Gaúcha", de Vito Coluna Neto (*) , e "Alma brasileira", de Fernando Magalhães.
 
(*)  Sivan foi parceiro de Vito no tango “Carmensita”, de 1928
Em 1931, foram gravados os choros "Arreliento" e "Suspirando", de Gaó, "Não estrila" e "Surpresa", de Atílio Grany, "Voando sem asas", de Hudson Gaya, e "Galo constipado", de Domingos Pecci; a marcha "Noites de alegria", de Zequinha de Abreu (**)
 
[(**)  Sob pseudônimos de Satulan e Castello Netto, o poeta Sivan escreveu letras para as seguintes melodias do célebre autor de “Tico-Tico no fubá” Zequinha de Abreu ::
“A dor de amar”, valsa sentimental, 1933
“Soluçar de um coração”, valsa sentimental, letra de Satulan (Sivan)
“Audaz conquista”, valsa lenta, de 1929, letra de Satulan (Sivan)
"Concinha de Prata", rancho, letra de Sivan, 1933]
 
e as valsas "Amo-te", de Sílvio Perazzini, "Rapaziada do Bom Retiro", de Getúlio Negrini, "Unidos pelo amor", de LuizRodrigues Alves, e "Saudades que voltam", de Roberto Splendore  (***)
 (***)  Sob o pseudônimo de Navis, Sivan fez para Roberto Splendore a letra do fox “Viajor”  

Em 1932, a orquestra lançou a rancheira "Cravos do sul", de Atílio Grany, e a valsa "Nossa padroeira", de Zequinha de Abreu. Ainda nesse ano, a orquestra fez com sucesso o primeiro registro do posteriormente clássico choro "Os pintinhos no terreiro", de Zequinha de Abreu. Em 1933, gravou a valsa "Vaga esperança", de Hudson Gaya, e o choro "Talvez vá", de Atílio Grany. 
 
Em 1939, a orquestra lançou dois outros futuros clássicos de Zequinha de Abreu, a valsa "Branca", e o choro "Tico-tico no fubá", este último, gravado pela primeira vez, quatorze anos depois de sua composição. Em 1943, foram gravadas as valsas "Amor perfeito" e "Rapaziada da Vila Velha", ambas de Porfírio Damasceno.

Em 1946, já na Continental, a orquestra gravou as valsas "Mocidade de bocaina", "Ao cair das folhas", e "Ao ressurgir da manhã", de Ângelo Piragine, e "O despertar de um coração", de Ramiro Costa e Ângelo Piragine. Em 1950, a orquestra lançou as valas "Sarah", de Juraci Rago e Arlindo Pinto, e "Santalina", de Miguel Leusi. Contando com importantes músicos, a orquestra gravou um total de dezenove discos incluindo os choros "Pintinhos no terreiro" e "Tico-tico no fubá", e a valsa "Branca", todas de Zequinha de Abreu em seus primeiros registros fonográficos. Em 2004, a gravação do choro "Os pintinhos no terreiro" foi relançada pelo selo Revivendo no CD "Revivendo o choro".


Continuando o histórico de Copinha por Gerdal :

No Rio, Copinha transitou por boates, clubes, cabarés (tocou com Pixinguinha no Dancing Eldorado), integrou a orquestra de Simon Boutman, no Cassino do Copacabana Palace, e, no Cassino da Urca, trabalhou com um famoso produtor de espetáculos do "showbiz" carioca, Carlos Machado. Teve orquestra própria por quase 20 anos, criada já na década de 40, que acompanhou ícones da voz brasileira na canção, como Sílvio Caldas, Francisco Alves, Mário Reis e Dircinha Batista, e, em 1958, acolheu ao acordeom um mago do som, o alagoano Hermeto Pascoal, e um usineiro de harmonias avançadas, o acreano João Donato.
      

Com cartão de embarque autoemitido pela reconhecida competência, Copinha atendeu a diversos convites para tocar no exterior, acompanhando, por exemplo, em 1967, com a sua orquestra, outro músico que não mais se encontra entre nós, o pianista gaúcho Primo Jr., numa noite de gala que reuniu a monarquia europeia no baile do Le Petit Blanc, na Riviera Francesa, no qual resplandecia a beleza de Grace Kelly. Imprimindo a sua marca no patrimonial sopro de introdução em "Chega de Saudade", que, em 1959, enfeitou exemplarmente o inspirado arranjo de Tom Jobim para a gravação de João Gilberto, Copinha, a partir do decênio seguinte, sem afastar-se do palco, dedicou-se intensamente à atividade em estúdio, para a qual também era muito requisitado. Como arranjador, é sempre lembrado por seu trabalho em discos de Paulinho da Viola, como o "Memórias Cantando" e o Memórias Chorando", além de infundir modernidade no essencial preservado da tradição em outro disco formidável, de 1979, do MIS (Museu da Imagem e do Som), sobre a obra do trompetista guaratinguetaense Bonfliglio de Oliveira. No último 4 de março, aniversariando, a saudade de Copinha completou 30 anos.
 
Pós-escrito: nos "links" seguintes, vida musical levada na flauta por Copinha: 1) "Amando Sempre", dele; 2) "Amolador", dele; 3) "Cadência", de Joventino Maciel; 4) "Mariana", de Paulinho da Viola; 5) "Saia do Caminho", de Custódio Mesquita e Evaldo Rui; 6) "Cordão Amigo", de Canhoto da Paraíba - este e Copinha, entre outros músicos, em imagens de 1978 da TV Bandeirantes.

    
http://www.youtube.com/watch?v=Jfe_sgMGQgs ("Amando Sempre")

   
http://www.youtube.com/watch?v=-y21ht6MLT8 ("Amolador")

   
https://www.youtube.com/watch?v=nD-K_wWE8EA ("Cadência")

   
https://www.youtube.com/watch?v=u4o2qo3grnI ("Mariana")

   
https://www.youtube.com/watch?v=oyUrnHFdKmo ("Saia do Caminho")

   
https://www.youtube.com/watch?v=1lkjebU7STQ ("Cordão Amigo")

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