quarta-feira, 5 de março de 2014

2014 : SEMELHANÇAS COM 1964

Postado por Berto Filho
Semelhanças entre 2014 e 1964.
Em 64, não tinha internet, era no boca a boca.
Bem mais difícil hoje arregimentar gente para passeatas derrubadoras de governos.




A "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" e a campanha "Dê ouro para o bem do Brasil", que chamaram o povo e deram respaldo à intervenção militar que se desdobrou na ditadura, foram os principais motores civis dessa mobilização. O chamamento para doações de ouro provocou romarias e filas intermináveis de doadores em frente ao prédio dos Diários Associados na rua 7 de abril, no centro de São Paulo. Ali ficavam as sedes da TV Tupi (os estúdios eram no Sumaré) e os estúdios das Radios Tupi e  Difusora, emissoras principais do conglomerado paulista comandado por Assis Chateaubriand. Sem contar os milhões em ouro que jorraram do interior de São Paulo e de outras cidades brasileiras no auge da febre de arrecadação. Onde foi parar esse ouro ? Teria sido uma serra pelada ao avesso ?

Hoje, a Globo, que seria, numa comparação desproporcional, a TV Tupi de São Paulo de hoje - cada uma no seu contexto - não se mete nesse assunto de mobilizar gente para passeatas. Apenas noticia quando é fato.

Então, o esforço de arregimentação hoje é muito maior do que em 64, mesmo contando com as trombetas das mídias sociais.    


O sub-oficial da Marinha, Peter Costa, que está no facebook, usa a internet para pôr a cara a tapa e a boca no trombone.

No link abaixo, ele convoca uma caminhada para o dia 22 de março, um sábado, no Rio, partindo da Candelária rumo ao Comando Militar do Leste, na Central do Brasil. A convocação estaria sendo feita em outras cidades, como São Paulo, onde a Praça da Sé seria o estuário para onde convergiria a caminhada. 

Não sei se existe um comando central ou se é cada um por si e cada um na sua. Também não sei se o sub oficial fala apenas por si ou por uma parte dios seus companheiros de farda. Há uma grande diferença entre uma coisa e outra.

Democracia serve para isso. Enquanto não sair o tal de marco civil da internet. Cheiro de mordaça.

Pelo tamanho e sinceridade da indignação do Peter, que é grande, não parece haver partido político envolvido, o que é bom para evitar caronas em ano eleitoral.
Peter diz no video que a PM do Rio está avisada. O problema do Peter é conseguir bastante gente, comme il faut : as pessoas comuns que não têm o hábito de ir às ruas reclamar de tudo que as incomodam (direito democrático) temem que black blocs se infiltrem naqueles momentos finais, explodam rojões, depredem, entrem em confronto com a polícia e que tudo termine em pancadaria. Além da PM, é necessário um suporte de ambulâncias para socorrer vítimas e transportá-las aos hospitais mais próximos.
Prevenir é melhor que remediar. Vamos esperar pelos próximos lances. Vamos ver se a grande mídia vai repercutir essa convocação ou se vai deixar rolar para ver no que dá. Caminhada sem povo não dá em nada.


No fim do governo Collor, já rolando ladeira abaixo. ele covocou uma passeata e deu zebra. Surgiram os caras-pintadas, o povo subiu nas tamancas e ajudou o Congresso a derrubar o aventureiro. O Congresso estava em alta, mas hoje ...

Se as caminhadas acontecerem e forem um fato relevante, as emissoras vão cobrir ao vivo ou inserir cenas e relatos nos telejornais.
Aqui, o Peter desabafa.
 
https://www.facebook.com/photo.php?v=689317997798317


Pego de novo esse bonde.

Para fazer o contraponto.
É um texto do jornalista Elio Gaspari publicado hoje no Globo, um flash back precioso baseado em cartas de Alceu de Amoroso Lima para sua filha, madre Maria Teresa. Os trechos das cartas retratam pontualmente, em flashes,  as preliminares e o desfecho dos confrontos que redundaram na revolução de 31 de março, mais conhecida como golpe militar de 64, datado de 1o de abril, como qualifica Elio, o "Dia da Mentira". Marca o início da ditadura que durou até 1985.
Com a palavra, Elio Gaspari.

"Começam nesta semana as reminiscências em torno da deposição do presidente João Goulart, quando o país entrou numa ditadura em nome da democracia. Ela começou no Dia da Mentira e só acabou 21 anos depois. Estranha efeméride, passaram-se 50 anos e ainda divide opiniões. Em 1949 ninguém discutia o golpe militar que destronou o imperador. Em 1980 ninguém discutia a deposição do presidente Washington Luís. Essa peculiaridade de 1964 fala mais do presente do que do passado.

Há um tesouro à disposição de quem queira conhecer o Brasil daqueles dias. É o livro “Cartas do pai — de Alceu Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa”. Durante 18 anos o pensador católico escreveu milhares de cartas à filha, monja enclausurada num mosteiro beneditino. Em 2003, o Instituto Moreira Salles publicou um magnifico volume de 672 páginas com uma seleta das cartas de 1958 a 1968. É difícil de achar e clama aos céus por uma versão eletrônica.

As cartas do “doutor Alceu” são um painel de amor e fé. Entre 1963 e abril de 1964 ele mandou 118 cartas à filha, expondo a alma de um liberal perplexo diante da radicalização política. Alguns exemplos:

11 de julho de 1963: “Este, o ambiente sombrio em que estamos, com o [Carlos] Lacerda [governador do Estado da Guanabara] provocando agitação e insuflando o golpismo legal (deposição do Jango pelo Congresso) e com isso estimulando o golpismo extralegal (militares e esquerda negativa).”

18 de setembro: “Se tudo não acabar em ditadura militar, só mesmo porque Deus não quis.”

26 de setembro: “A ‘amarga’ máxima é que a tensão política chega hoje ao auge, no choque entre militares e líderes sindicais, entre os quais o Jango parece que optou (definiu-se, como vivem querendo que o faça, tanto os esquerdistas como os direitistas) e o resultado é que podemos, amanhã ou hoje mesmo, ter um golpe à vista e no duro: ou dos generais ou dos sargentos.”

27 de março: “De repente, bumba! Marinheiros (uns 3.000, dizem) reunidos em um sindicato de metalúrgicos, demissão do ministro da Marinha e do comandante dos Fuzileiros Navais (que dizem ser os homens do Brizola).”

31 de março: “Estou sentindo o cheiro de... pólvora e a semelhança com 1937, quando o Getúlio, mestre do Jango, deu o golpe do Estado Novo.(...) O mais grave é que, no momento, introduziu uma cunha entre oficialidade e tropa (soldados ou marinheiros), e isso pode realmente redundar numa revolução de tipo comunista. (...) O momento é de perfeita perplexidade e de vigília de golpe. Mas de onde virá o golpe é que são elas.”

1º de abril: “Desgraçadamente rompeu-se de novo a continuidade civil do nosso governo e a solução foi transferida para a área militar. (...) O San Tiago [San Tiago Dantas, ex-ministro das Relações Exteriores] que está muito bem informado, e esteve no Palácio das Laranjeiras com o Jango até de madrugada, me diz que as forças que estão com o governo legal parece que são fortes. (...) Mas o próprio San Tiago confessa que há muitas probabilidades de triunfo do golpe. E será então um triunfo direitista ‘que atrasará por vinte anos o progresso do Brasil’.”

Alceu Amoroso Lima morreu em 1983, sem ter visto o fim de uma ditadura que combateu desde seus primeiros dias."




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