terça-feira, 25 de março de 2014

CELIO BORJA AFIRMA QUE NÃO HOUVE DITADORA NO BRASIL

Postado por Berto Filho

Vem sí o 31 de março e a imprensa abre espaço para protagonistas de um episódio que dividiu o Brasil em 2 em 1964.

Leia a entrevista publicada hoje na Folha de São Paulo, concedida pelo jurista Célio Borja ao jornalista Bernardo Mello Franco, da sucursdal da Folha no Rio de Janeiro.


Regime de 1964 não foi uma ditadura
Presidente da Câmara no governo Geisel diz que Forças Armadas se anteciparam a golpe que seria dado com aval de João Goulart. 


Presidente da Câmara no governo do general Ernesto Geisel, o jurista Célio Borja sustenta que as Forças Armadas se anteciparam, em 1964, a um golpe que seria dado pela esquerda com aval do presidente João Goulart.

Ele contesta o termo ditadura militar. "O que havia era um regime de plenos poderes. Não era ditadura", diz.

Após a redemocratização, Borja foi ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e da Justiça, no governo Fernando Collor. Aos 85 anos, ainda advoga e mantém escritório em Copacabana, no Rio.

Folha - O golpe militar faz 50 anos. Qual foi o principal motivo da queda de Jango?

Célio Borja - Havia um bruto desassossego. O principal erro do governo foram as ameaças. O presidente era mais cauteloso, mas no 13 de março [o comício da Central] soltou a franga. Ameaçavam fechar o Congresso, fazer reformas na marra. O que queriam era a implementação, no Brasil, de um regime parecido com o de Cuba.

Folha - A tese de que a esquerda preparava um golpe é controversa. O sr. acreditava nisso?

Estou convencido até hoje. Havia uma enorme articulação de movimentos concertados que visavam à invasão de propriedade. Isso contaminou toda a sociedade.

Folha - O que achava de Jango?

Era um pobre homem. Quando muito, um aprendiz de caudilho, despreparado para governar o país.

Folha - Ao apoiar o golpe, o sr. imaginou que ele poderia resultar em 21 anos de ditadura?

Supunha que seria uma intervenção cirúrgica. Pensei que os chefes militares de formação democrática, Castello à frente, encurtariam a permanência no poder.

Folha - Como descreve a ditadura, do ponto de vista jurídico?


Ditadura é a concentração de todos os poderes em mãos do chefe de Estado. Nenhum presidente militar teve isso. O Congresso e o Judiciário eram independentes. Ditadura, nunca houve. O que se podia dizer é que havia um regime de plenos poderes. Não era ditadura.

Folha - Se não era ditadura, por que cassaram parlamentares e até ministros do STF?
Roosevelt também quis enfrentar a Suprema Corte dos EUA porque a considerava hostil ao "New Deal". Aumentar o número de ministros do STF [de 11 para 15] era tolerável, até porque começava a haver o problema do acúmulo de processos. Inadmissível foi a cassação de três ministros [Evandro Lins e Silva, Vitor Nunes Leal e Hermes Lima, em 1969].  O AI-5 suspendeu todas as liberdades democráticas.
A sublevação de organizações de esquerda criou um clima que justificava, para alguns, uma carapaça militar sobre o governo civil. O AI-5 foi um desastre. Havia a Constituição de 1967 e um recomeço da vida constitucional. Mataram isso. Neste momento, muitos civis se afastaram do regime.

Folha - O sr. se elegeu deputado e foi líder do governo. Por quê?

A reconvocação do Congresso abriu esperanças de normalização. Era um posto a partir do qual se podia lutar pela redemocratização. Nosso dever era lutar por dentro [do regime]. Foi o que fiz.

Folha - O sr. sabia das torturas?
Sabia que havia brutalidades. Sempre houve no Brasil. O pau de arara não foi invenção de 64. Ninguém se importava com a miséria do preso comum. Chamou a atenção quando os presos políticos foram submetidos ao mesmo tratamento. O regime estava descambando para a selvageria. Quando virei líder do governo, me tornei uma estuário de queixas.

Folha - O que fazia com elas?

Levava a informação de que fulano foi torturado e o Golbery [do Couto e Silva] a transmitia ao [João] Figueiredo, que transferia o militar. Faltava força aos superiores para coibir os abusos. Acho que agiam à revelia [dos superiores]. Às vezes havia conivência. Achavam que tinha que ser assim. Senão, não ganhavam a guerra.

Folha - Como vê o debate sobre Anistia e Comissão da Verdade?

A Anistia é um instrumento de pacificação. Ninguém é tolo o bastante de acreditar que seria possível pacificar o país sem o esquecimento dos crimes praticados de um lado ou de outro.  A Comissão da Verdade é o oposto. O que a Anistia fez, ela desfaz.

Folha -  O que acha da visão que se tem hoje do regime?
Absolutamente distorcida. Sempre se diz que a história é escrita pelos vencedores. Aqui, os vencidos estão escrevendo a seu gosto com um objetivo político: desqualificar quem não lutou contra a famosa ditadura, que não foi ditadura nenhuma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário