domingo, 24 de novembro de 2013

MÚSICA E REVOLUÇÃO

Postado por Berto Filho

São Paulo, 1932. Soldados revolucionários paulistas partem para o combate contra as forças do estado central de Getúlio levando nos lábios a canção de Sivan “Se ela perguntar”. 25 anos depois, em 21 de junho de 1957, Sivan envia uma carta ao médico radialista Paulo Roberto, criador do famoso programa “Obrigado, Doutor” da Rádio Nacional, na qual tenta descrever uma emoção intraduzível :

“Na noite de ontem, ao final do seu programa GALERIA MUSICAL SANBRA, quando você pôs aquele leve toque de “suspense” na apresentação de “Se ela perguntar”, recuei subitamente a 1932. E revivi, emocionado, a velha rua de São Bento, na capital bandeirante, numa tarde ensolarada, quando os batalhões de reservistas e voluntários desfilavam rumo à frente de combate, alimentando a fogueira da revolução paulista. Aqueles rapazes marchavam cantando “Se ela perguntar”, transformando minha valsa num hino e me fazendo pairar muito acima de tudo aquilo, tangido pelo sutil sentimento de uma gloriosa alegria ! E eu chorei, Paulo Roberto ! Não silenciosamente, mas em soluços, incapaz de conter a tremenda emoção. Fazia muito tempo que eu não chorava, às vezes chorar faz bem, especialmente quando a gente chora como se estivesse cantando...”
Sivan Castelo Neto, compositor paulista, viveu um grande momento na Revolução de 1932, um marco da índole do bandeirantismo e da História de São Paulo.

Conta Lauro Gomes de Araújo no livro “Sivan Castelo Neto, as muitas faces de um artista” que, na obra do pesquisador Jairo Severiano “Getúlio Vargas e a Música Popular”, está consignada uma paródia sobre a valsa-romance de Sivan, com o título modificado para “Se ELE perguntar”, sob a autoria de V. de Castro, que seria o compositor Ary Kerner Veiga de Castro, comprovando a força popular da melodia de Sivan para além do sentimento político e do confronto militar.

LETRA DA PARÓDIA “SE ELE PERGUNTAR”

“Quando eu o deixei no Catete a sonhar
tal qual um querubim
nem sequer pensei que pudesse acabar
um sonho tão lindo assim ...

Quando ELE souber que eu também já me alistei
Decerto o estrilo vai dar, eu sei

Se ELE perguntar você diga que eu vou bem
Que em breve no Rio hei de estar ...

Sempre que você o avistar
Dê-lhe recomendações
Diga-lhe : “São Paulo vai ganhar”
Não tenha mais ilusões
Quer queira ou não o retranca João virá à constituição

Diga-lhe que não esqueceria
Um cardeal eu levaria ...
Góis, Oswaldo Aranha e Juarez
Dizem com os seus botões :
Se em São Paulo entrarmos dessa vez, nada de contemplações
Mas esta coisa não vai ser assim
Bem diferente é o fim
Tire-lhes amigo a ilusão
Não tenha piedade não”
(ninguém compra mais “chuchu”)

Conforme Lauro Gomes, a música de Sivan não somente teve um valor saudosista para aqueles que combateram, como serviu de veículo para divulgação, nas rádios paulistas, de “charges sonoras” que faziam parte da temática psicológica dos revoltosos, de desmoralização do poder central sediado no Rio.

A letra da paródia satirizava figuras do lado getulista que São Paulo não conseguia engolir, como Oswaldo Aranha, Góis Monteiro e Juarez Távora, este último famoso como um dos Tenentes Interventores. O Cardeal mencionado ao fim da segunda estrofe era o Cardeal Dom Sebastião Leme, que, segundo o livro do coronel Herculano C. da Silva “A Revolução Constitucionalista” (Rio, 1932, fls 89), “coadjuvou o golpe de misericórdia vibrado por elevadas patentes do Exército e da Marinha” que terminou por dobrar a resistência paulista. O historiador Hélio Silva reproduz em sua obra “1932 – a Guerra Paulista”, uma publicação do jornal Diário de São Paulo, de 2 de agosto de 1932, sobre a manifestação política no Rio de Janeiro, de apoio aos paulistas : “O golpe de estado na Capital da República constituiria o remate à sublevação do Rio Grande e de Minas, forçando a renúncia de Vargas.”

Música e Revolução às vezes andam juntas.






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