quarta-feira, 16 de outubro de 2013

TÁ BARATO PRA CARAMBA

Postado por Berto Filho
Em 2011 uma propaganda da Embratel, então eloquente nos áudios, vídeos e painéis nas ruas, tirou do sarcófago da nossa amada língua a interjeição "caramba" enluvada com pince-nez e bengala na expressão que dá uma dimensão superlativa à quantidade de barato que seria o preço pra "fazer" um 21 em lugar de digitar ou discar os números da concorrência. Boa sacada.  

Quanto mais não seja porque tira da boca e da mente o baralho (com “c” no começo), o cacete ou a casseta (nome de grupo de humor, hoje meio desmaiado na mídia global), substantivos imediatamente conectáveis à expressão "tá barato prá ..." ou "você é um cara du .. ou duca" (a opção atenuada de du “b”aralho)"...

O pioneiro, pelo menos na TV, no uso de palavras aprisionadas no limbo da obscenidade, foi Faustão que tirou o pentelho dessa lista pecaminosa e o incluiu no vocabulário corrente do seu programa. Absolveu com indulgência plena o pecado original do pentelho.

Mas para chegar nesse ponto de fusão e transformação de larva em borboleta, em relação ao pentelho, o que não terá feito Faustão para convencer os ouvidos mais conservadores da Globo, ultrapassar a barreira moral dos telespectadores ainda mais conservadores que os donos da emissora, de que ele, Faustão, ao pronunciar pentelho em alto e bom som na Globo, num domingo e num horário em que a audiência é impressionante, não afugentaria anunciantes moralistas ?  


Pentelho no Domingão logo tomou conta da língua falada nas ruas e aquele simples fiozinho da região sacra muito próximo da genitália, parecido com o fio negro que fluía dos antigos discos de acetato sulcados por uma agulha de safira, perdeu quase que completamente o significado nativo e, por  metamorfose de comunicação de massa, virou sinônimo de cara que perturba, que atrapalha, que só faz besteira, o pentelho.

 Faustão, os Cassetas e outros gladiadores da palavra falada cometeram atos de coragem, de audácia. Para muitos ou alguns, apenas sem-vergonhice, despudor, safadeza, sacanagem. Aliás, sacanagem é também um termo que adquiriu significados menos lascivos com o tempo. Não se tornou nada angelical mas perdeu o acento diabólico. Sacanagem virou sinônimo de trapaça, vilania, sabotagem, malfeitoria, mas não perdeu totalmente a seiva de sua raiz.

Algo que também se vê na desobscenização do termo "Casseta", que é mais genital ainda que pentelho na essência do seu significado. Mais uma demonstração da criatividade semântica via televisão que transformou os Cassetas no símbolo de um humor com duplas e triplas intenções quase sempre pincelando na região do sexo.

O que veio depois, no Pânico, CQC, Zorra Total, Praça da Alegria, Silvio Santos (mais sacana do que nunca nos embalos das tardes-noites de domingo), talk shows atrevidinhos e assanhados como “Agora É Tarde” (Danilo Gentili, Band) etc é um tsunami de palavras, expressões e gestos obscenos ou impróprios para menores, praticados com irresponsabilidade, naturalidade e inconsequência nos meios de comunicação oral e audiovisual por artistas que têm liderança no coletivo. E, portanto, têm certa influência na indução do comportamento das massas. Assim como todo e qualquer exemplo derrubador de regras estabelecidas que salta das telas para os sofás, sejam cenas de sexo hetero e homossexual ou personagens fumando cigarro em novelas e filmes, exemplos que tendem a ser seguidos por jovens ansiosos em ingressr na idade adulta.

Voltando ao tá barato pra caramba ... O “b”aralho ou o “porra” que insistem em frequentar a boca do povo a cada minuto como descarrego, exorcismo ou alívio verbal, causam choque maior do que cacete ou casseta. Ou não causam mais, banalizou geral ?

É bem provável que o criador da campanha ou os participantes do brainstorming da agência da Embratel tenham pensado na possibilidade de o público-alvo perceber que é melhor dizer caramba que “b”aralho, fica menos ofensivo e remete a tempos mais cordiais, em que a educação das pessoas era um atributo e não um defeito.

A propaganda lida muito com o duplo sentido quando a sua missão é vender o produto a qualquer preço. O tá barato pra caramba é bem comportado e deve ter cumprido a missão de vender o 21 sem remeter ao duplo sentido, ao obsceno. Do contrário, se optasse pelo atalho apelativo, teria que cobrir o “b”aralho com a tarja da censura... E aí sim estaria desrespeitando o consumidor, independentemente do seu nível de escolaridade ou compreensão do significado das palavras.   

Dependendo da entonação com que é pronunciada, caramba é também admiração, espanto ou demonstração de surpresa por um fato inusitado, um número, um valor ou uma qualidade muito aquém ou muito além da expectativa do espectador ou personagem. 

Para encerrar : o tá barato pra caramba carrega empatia para a recorrente maneira de pluralizar, de dar volume e quantidade a uma certa porção de qualquer coisa.

Obs.: preferi escrever “b”aralho por respeito ao leitor e para não caracterizar este artigo como bula de produto de loja erótica virtual ...

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