quarta-feira, 4 de junho de 2014

FUTEBOL-ARTE : MATANDO AS SAUDADES DO HONVED

Post de Berto Filho


Garrincha e um de seus "Joões"
Meu passado me condena. Não posso ser considerado jornalista esportivo – no máximo, sou um jornalista que leva na esportiva os raros gols contra da vida - porque nunca militei nessa função nos 60 anos de carreira como funcionário dos veículos por onde andei. O mais próximo disso, e passa longe, é ter lido offs descrevendo gols da rodada naquelas pequenas janelas esportivas dos telejornais dos anos 70 e 80 na Globo. E lendo os resultados da Loteria Esportiva, no tempo da Zebrinha...

Agora, mudando de patamar, acho que posso ser incluído naquele grupo seleto de amantes do futebol-arte onde quer que seja jogado. Ontem, foram o Honved, a seleção húngara de 54, o Santos, o Botafogo de Garrincha, Nilton Santos, Didi e Quarentinha, o Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lope, o Flamengo de Zico, Evaristo e Dida, a máquina tricolor de Rivelino... Não conheço os bastidores de uma copa como a grande maioria de meus colegas que cobrem copas. Por isso, não tenho contribuições a dar sobre o tema. Fui apenas um torcedor exaltado que pulou de alegria quanto a taça era levantada pelo capitão brasileiro e murchou de tristeza quando fomos eliminados antes da hora ou não chegamos à final ou, se chegamos, perdemos, como na França.

Desde os anos 50, quando minha voz começou a mudar de padrão e gravei meu primeiro jingle para Chiclets Adams no Estudio Sivan (do meu pai), tornei-me um torcedor apaixonado pelo futebol bem transado, não importando o time nem o país, embora meus clubes de devoção tenham sido (e ainda são) o São Paulo e o Fluminense. Os anos dourados 50 ficaram marcados na minha memória de garoto virando rapaz pelas transmissões esportivas patrocinadas pela Brahma, a “Jornada Esportiva Brahma”, que levava os jogos dos clubes do Rio para todo o Brasil nas poderosas ondas médias e curtas das Rádios Nacional, Tupi, Mayrink Veiga, etc. E pelos noticiários do Repórter Esso exibidos na Rádio Nacional na voz poderosa do Heron Domingues, cuja vaga assumi na TV Globo em 1974.

Fui criado lá e cá, Rio e São Paulo eram a minha aldeia. O ramo paulista de minha família, por parte de pai, me jogava nas mãos de Poy, De Sordi e Mauro, Pé de Valsa, Bauer e Alfredo ... e tempos depois (1956-57) assisti, encantado, às performances artísticas do extraordinário feiticeiro da bola chamado Canhoteiro, ponta-esquerda do São Paulo no ataque fantástico formado por Maurinho, Amauri, Gino, Zizinho e Canhoteiro. Nesse ano (57), num dia muito inspirado, o São Paulo ganhou do Santos com Pelé na Vila Belmiro por 6 a 2 ! Não posso deixar de mencionar o centro-avante Albella e o meia esquerda Negri, dois argentinos que fizeram furor no São Paulo.

Minha primeira vez num estádio foi no Pacaembu, era São Paulo e Coríntians. Vivi em minha própria família paulista a rivalidade entre São Paulo, Coríntians e Palmeiras, rivalidade que foi adensada em 1956 com a chegada do Santos à elite dos grandes, com aquele ataque endiabrado com Dorval, Mengalvio, Pagão, Pelé e Pepe. Em períodos diferentes, os centro-avantes Álvaro e Coutinho fizeram parte desses recitais. Uma geração antes, o Santos tinha Jair da Rosa Pinto, que saíra do Palmeiras, o meia Vasconcelos e o ponta esquerda Tite. Foram muitas luas vendo grandes jogadores e times em ação.
 
No Coríntians se destacavam o ponta direita Claudio, o meia Luizinho, o centro-avante Baltazar, o cabecinha de ouro, artilheiro de gols de cabeça que anos depois inspirou o Leivinha, e o lendário Mário, que driblava dois ou três adversários em espaços mínimos lá naquele território perdido da ponta-esquerda.

Canhoteiro, que veio depois, deve ter se inspirado nas manobras circenses do Mário, pois ele também tinha esse dom de driblar rápido em pequenos espaços. Era o Garrincha da esquerda. O São Paulo foi campeão em 1957 sob o comando do técnico húngaro Bela Gutman, ex-Honved, que treinava até à exaustão os chutes a gol de qualquer distância. Canhoteiro foi um dos que mais aprenderam e aplicaram as lições, passando a completar seus espetáculos na ponta esquerdas com jogadas mortais e gols decisivos. Pena que tenha se perdido no amor à cachaça.

Bela Gutman provavelmente introduziu no São Paulo conhecimentos hauridos dos tempos do Honved e da mítica seleção húngara de 1954, cujo técnico, o engenhoso Gusztav Sebes, inventou o esquema tático W-W partindo do W-M do Arsenal (de Londres) de 1930. Especialistas em táticas atribuem ao esquema W-W ter sido a fonte de inspiração do Carrossel holandês de Rinus Michels e do 4-2-4 usado pelo dorminhoco bonachão Vicente Feola na Suécia em 1958. Isso dá uma bela mesa redonda.

Foi com essa ótica de frequentador de galeria de arte que passei a apreciar as performances mais brilhantes de gerações de times e seleções. O meu ponto de partida foi mesmo o Honved, base da seleção húngara de 1954, que só não foi campeã porque o juiz anulou um gol legal do grande Puskas nos últimos minutos. Não sei se a Hungria ganharia mas o empate no fim – 3 a 3 - daria uma inesquecível sensação de plenitude aos jogadores húngaros e a torcedores como eu, que deliravam com o futebol húngaro. Naquele tempo de álbuns de figurinhas eu me alimentava de futebol por meio da Gazeta Esportiva, do Thomaz Mazzoni, e das transmissões de jogos pelo rádio, uma grande escola de narradores e comentaristas. Alguns, como Geraldo José de Almeida, criador da expressão “seleção canarinho”, migraram com sucesso para a TV.

Não senti muito a perda da Copa de 50 porque tinha 10 anos de idade, só com o tempo caiu a ficha de que tinha sido uma comoção nacional perder aquela final para o Uruguai diante de 200.000 espectadores estarrecidos. Muito choro foi derramado. Talvez para compensar essa frustração, a partir dos 50 me deslumbrei com jogadas bem trabalhadas, dribles desconcertantes, lançamentos perfeitos de mais de 40 metros (Gerson era um desses), defesas espetaculares e gols impressionantes de uma tribo de artistas da bola como Puskas, Hidegkuti, Kocsis, Czibor, Dida, Evaristo, Garrincha, Julinho, Manga, Castilho (o da leiteria), Veludo, Natal, Rivelino, Jairzinho, Pelé, Tostão, Beckenbauer, Platini, Zidane, Cruyff, Rep, Neskens, Maradona, Zico... E hoje, Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar são os símbolos da arte, magia e eficiência no futebol. Talvez outros jogadores contemporâneos possam ser lembrados, mas não atingiram o grau de perfeição destes.

Daqueles bons tempos guardo no baú de recordações (de ouvir as transmissões pelo rádio, que pena que não assisti...) aquela temporada fantástica do Honved no Brasil em janeiro de 1957 enquanto a Hungria era ocupada pelos tanques da União Soviética em 1956. 



tOs bambas do Honved e da seleção da Hungria


Recorro ao Mario Lopomo, editor do blog
mlopomoblogesporte.zip.net
Fonte pesquisada pelo autor: A GAZETA (Janeiro de 1957)
Página adicionada em 26 de maio de 2010

Conta o Mário : A Hungria estava sendo invadida pela União Soviética naquele ano de 1956, e o campeão nacional, o Honved, fazia uma excursão por diversos paises do mundo.

Nesse meio tempo houve o pedido dos invasores de sua pátria de que toda a delegação retornasse à Hungria, o que não aconteceu. Seus diretores resolveram desobedecer e continuar a viagem. Alguns paises não aceitaram a entrada do clube húngaro, entre eles: Itália, França e Inglaterra.

Então vieram para o Brasil, e o primeiro jogo foi contra o Flamengo, no Estádio do Maracanã, no inicio do mês de Janeiro de 1957. Apesar de grandes craques em seus quadros, o Honvéd não foi páreo para o rubro-negro carioca, perdendo por 6 a 4.  Dias depois jogaram contra o
Botafogo, e o Honved venceu por 4 a 2.

Em seguida resolveram trazer o
jogo inicial (revanche) para São Paulo, por iniciativa da Companhia de cigarros Sudan, representado por Saul Janequine, e por Murilo Leite, representando a Rádio Bandeirantes, além dos representantes de Flamengo, Walter Fadel, e do Honved, Enil Oesterreicher.   Este "jogo revanche" foi realizado no estádio do Pacaembu, com a entrada franqueada ao publico, no dia 26 de Janeiro de 1957, um sábado a noite.   Mais uma vez o resultado foi de 6 x 4, mas desta vez para o Honved, que deu um show de bola, e encheu os olhos da torcida paulista.

Nos 10 minutos de jogo o campeão Húngaro já vencia de goleada, e no tempo final, liquidou o jogo, chegando a estar vencendo por 6 x 1. Puskas marcou 4 dos seis gols do Honved, e os outros dois foram de Budai e Sandos. Dida (2) Moacir e Henrique marcaram para o Flamengo. Os times foram os mesmos do primeiro jogo e o árbitro novamente foi Mário Vianna, que por todos foi elogiado.
O publico não foi divulgado, mas o estádio estava lotado.

Ficha técnica (1ª partida): FLAMENGO 6 x 4 HONVED
Competição: Amistoso (Estava em disputa o Troféu Ponto Frio)
Data: 19 de janeiro de 1957
Local: Estádio do Maracanã (RJ)
Arbitro - Mário Vianna.
Renda – 3. 351.001,00
Gols: Evaristo(2), Henrique, Paulinho, Dida e Duca (Fla); Puskas (2), Szusza e Budai (Honved)

Flamengo: Ari, Tomires e Pavão. Milton, Luiz Roberto, e Edson (Jordan). Paulinho, Moacir, Henrique,Evaristo e Baba.

Honved: Groczis, (Farago) Rackosczy, Baniay, Bosizk. Kotasz, Lantos, Budai, (Sandos), Koczis, Szusza, Puskas e Cizibor. 


O bom Mario Palomo não acusou em seu blog uma terceira partida contra o Flamengo, que o Honved venceu por 3 a 2, e um jogo contra o combinado Flamengo-Botafogo - era uma seleção - e aí o Honved tomou uma lavada de 6 a 2.
Mas deixou um rastro imperecível na memória do futebol brasileiro. É incrível mas nunca vi esse tome jogar. Fui abduzido.

Que vergonha para a FIFA essa mancha no currículo, ter colocado o Honved fora da lei e decretado sua extinção do futebol mundial por motivos políticos da Guerra Fria, ajudando a subjugar, em favor da URSS, a valentia, a honra e a liberdade do povo húngaro.
Vejam este link, descreve muito bem esse triste episódio. 

http://footballmemorian.blogspot.com.br/2007/01/o-honved-no-brasil.html 


Uffa, acho que escrevi o que estava me engasgando sobre a minha paixão pelo futebol-arte.

E posso encerrar com o seguinte pensamento :
com todos os erros, atrasos, superfaturamentos, incompetência gerencial, manifestações anti-Copa, greves e alto risco de não haver legado nenhum, vai ter Copa.

Não creio em cartas marcadas, o Brasil vai entrar forte nas divididas e temos a obrigação de jogar para vencer todas as partidas. Agora, se vamos vencer todas, é uma outra questão.
E torcer para que os futuros governos, desde que essencialmente democráticos no conceito cristão ocidental, acertem o passo, tirem o atraso e coloquem o Brasil no topo do mundo em qualidade de educação, saúde, transporte público, etc e baixem os índices recordistas de criminalidade e o número de homicídios por 100.000 habitantes.

 Em tempo : há um vídeo sobre o nióbio que vou postar em seguida. Dá a medida da incúria (nem sei que termo devo usar, tão abestado estou) dos governos brasileiros em não transformar em poder o fato de que o Brasil detém 98% das reservas conhecidas de nióbio no mundo, metal estratégico utilizado em naves espaciais e numa infinidade de aplicações industriais de natureza militar e espacial. Onde a coisa pega : a maior reserva de nióbio está na terra considerada indígena (pelos índios, ONGs e missões indigenistas estrangeiras, com a complacência da Funai) conhecida como “Raposa do Sol”, em Roraima, blindada do próprio governo (!) por esse dispositivo heterodoxo. O governo Dilma, como os anteriores, tem medo de mexer no vespeiro do contrabando do nióbio acobertado por instrumentos e aparatos supostamente legais, em locais de acesso muito difícil. É uma denúncia gravíssima que a mídia ignora.


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